Será que o desenvolvimento científico criou um...

 ...vazio espiritual?

por Marcelo Gleiser para Folha

Abordamos tanto questões mais imediatas, como o aquecimento global e a crise energética, como as mais fundamentais, como o significado do tempo e o debate entre a ciência e a religião.


Hoje, gostaria de abordar uma questão que, a meu ver, está no cerne do antagonismo entre a ciência e a religião: será que o desenvolvimento científico criou um vazio espiritual? Será que a ciência só serve para gerar fatos e dados sobre o mundo natural?

Ou será que pode ir mais fundo, talvez criando uma nova forma de espiritualidade?

Para começar, cito meu livro "O Fim da Terra e do Céu": 

"O desenvolvimento da ciência nos séculos 18 e 19, baseado na interpretação racional dos fenômenos naturais, foi seguido, ao menos no Ocidente, por um abandono progressivo da religião. O conforto espiritual encontrado na fé foi gradualmente abandonado, em nome de um sistema de pensamento secularizado. O historiador da religião S. G. F. Brandon expressou claramente tal preocupação quando escreveu: 'Para os pensadores do Ocidente, nenhuma missão pode ser mais urgente do que a resolução desse dilema, se possível produzindo uma filosofia da história adequada, isto é, que justifique o sentido da vida dos homens dentro de sua duração temporal finita'."

Logo a seguir, pergunto se, ao vermos a ciência além de seu papel de quantificadora da Natureza, podemos talvez encontrar ao menos parte desse "sentido": "Talvez fosse isso que Einstein tinha em mente quando introduziu o seu 'sentimento cósmico religioso', a inspiração essencialmente religiosa por trás do ato racional de compreendermos o Cosmos. A ciência e a religião nascem das mesmas ansiedades que torturam e inspiram o espírito humano. E a conexão entre as duas é a nossa existência finita em um Cosmos aparentemente infinito".

Obviamente, o tempo também complica as coisas, pois a perda dos que amamos e a nossa própria mortalidade são causas de muita dor.

Nessas horas, encontro consolo em muitas coisas. Mas uma das mais significativas é o que a ciência nos ensina sobre nossa íntima relação com o Universo: a matéria da qual somos feitos é também a matéria das estrelas, dos planetas e de suas luas, e de todos os seres vivos.

O tempo que usamos para descrever as transformações que experimentamos é o mesmo da expansão cósmica. 

O tempo passa para o Universo também. Como escreveu o naturalista americano John Muir, "ao movermos uma única coisa na Natureza, descobrimos que ela está presa ao resto do Universo".

Não existe uma solução única para os nossos anseios. Não sei onde você encontra sentido para a sua vida. No meu caso, a busca se desdobra em muitas trilhas.

Ao tentar entender um pouco mais sobre os mistérios do mundo natural; na convivência com minha família e amigos; em saber que sou um ser humano no nosso raro planeta Terra. Para mim, o sentido não está na ciência em si, mas na busca pelo conhecimento. Talvez seja assim também com um músico, que dá sentido à sua busca tocando o seu instrumento. As técnicas nos dão os meios, mas não são um fim em si mesmas. É tocar, e dividir a música com os outros, que importa.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

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